terça-feira, 17 de agosto de 2010

Aquilo que não pode ser dito

Parece tão fácil ser substituído. 15 anos de empresa e se é despedido com uma naturalidade cruel. Tanto faz o que ocasionou a demissão. Mas imagino que dá pra lembrar todos dias de dedicação, de amor e entusiamo prestado. Quase como uma separação depois de um longo casamento. Ficam os filhos, os projetos, o estilo, os sorrisos que proporcionou e os lucros que alguém sempre ganha com o nosso trabalho.
Desculpe, mas não me parece justo.
Mesmo que tenha recebido cada hora extra e que a recisão seja a mais correta possível. Mesmo que agora, depois de 15 anos, tenha cometido um erro gigantesco. Ainda não me parece justo. Imagino a revolta que dá pra sentir. Imagino que se fosse uma separação, de início iria querer matar meu ex marido. Mataria!
Claro que a relação que se constrói com uma família e com o seu trabalho é completamente diferente. Mas para aqueles que ainda fazem da empresa seu segundo lar, vale lembrar: Patrão é geralmente como madrasta de filme infantil. Vai te explorar, te envenenar e ficar com o seu dinheiro, com sua vida e provalmente com seu bom humor!
Simplesmente vão contratar outra pessoa para a vaga. Não importa o que tenha feito de bom ou ruim nesses anos todos. Um saí e outro entra. Sempre tem alguém que daria tudo para estar onde estamos. Se pensar, há filas e filas de pessoas que sonham com o seu emprego.
Desculpe, mas isso é perturbador.
Volta sempre a sensação de que não temos muita escolha. Se você não se matar pela empresa, acredite, alguém fará isso por você. É como o cavalo Sansão em a Revolução dos Bichos. O animal que mais trabalhava pela Granja, sonhando com sua aposentadoria, acabou indo para um matadouro. Ninguém se importou e todos acreditaram quando um porco disse que ele tinha morrido no veterinário. Seremos como o burro Benjamim, que apenas fazia o seu trabalho e não se revoltava, dizendo que os burros viviam muito tempo e que as coisas não iriam melhorar? Como a égua fútil que se vendeu por um laço de fita? Como o porco Napoleão que instituiu a ditadura e explorou outros como ele? Como todos os bichos que se importavam e amavam a Granja muito mais que Napoleão? E que no fim viram que de nada adiantou destituir Jones?
Qual a nossa recompensa real?
Está mesmo valendo a pena?
Se não for isso, o que será?
Como resolver?
Pra onde ir?
Desculpe, mas isso não me parece bom.
Tem algo a ver com a indústria cultural e como conseguimos nos iludir com tudo. Tem muito a ver com promover entretenimento e não perceber o quanto somos idiotas. Tem muito a ver com capitalismo selvagem. Tem tudo a ver com marketing e em como fazer lavagem cerebral nos colaboradores.
Uma vez eu disse que não sabia se queria deixar de ser alienada. Se eu pulasse o muro da alienação eu não saberia o que fazer. Era muito fácil acreditar naquela coisa toda de ser alguém na vida, se jogar com paixão no trabalho, estudar cada vez mais, churrasco na casa da sogra no domingo, viajem pra praia nas férias com a família, cinema nas quartas-feiras e só. O comum passa a ser interessante quando se percebe que nada há além da ilusão - que eu também ajudo a criar.

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