sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Conversas de Boteco


A primeira vez que entrei num bar tinha 4 anos de idade. Quem diria, passados praticamente 20, moro num deles. Não se trata de gostar ou não, mas os melhores e piores momentos da minha infância remetem à eles. Nas lembranças, eu e e meu irmão dormíamos num cochonete sujo ao lado do balcão do bar cuidado pelo meu pai. Éramos filhos de pais separados, crianças cuidadas por um homem sozinho. Crianças, as melhores amigas de um bêbado - depois da cachaça, é claro. Aqueles bêbados ajudaram meu pai a cuidar da gente. Lembro que eles pagavam doces e que eu chupava um bico cor-de-rosa nojento. Foi assim que adquiri minha primeira cicatriz: Caí e bati o queixo no balcão, que cheirava a mais doce das cachaças.
Numa outra vez, estava tudo escuro e a chuva caia pesada lá fora. Devia ter acabado a luz. As velas e as vozes davam vida e iluminavam tudo. Eu estava sentada no colo de alguém, tinha uma roda, alguém tocava um acordeon, outro uma viola e por fim meu pai batia duas colheres no joelho, num ritmo perfeito. A música? A mais brega e contagiante que você possa imaginar: "Não interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa..." Grande Sérgio Reis.
Mais tarde, quando fomos morar com a minha mãe, tinha muita gente, sempre. Além de torneios de sinuca, truco e tudo mais que envolvesse jogos de azar. Hoje, acrescento à lista as máquinas caça-niqueis. Era ao mesmo tempo bom e ruim. Ruim porque ela estava sempre ocupada para dar atenção aos filhos, tinha mais é que cuidar das "crianças" (adultos alcoolizados) que frequentavam a casa. E bom, porque os fregueses passaram a levar os filhos também, que entravam e brincavam comigo e com meu irmão.
Nossa casa era uma bagunça. Pilhas de pratos sujos acumulavam na pia, mas quem se importa quando se esta brincando. Nessa época organizei inúmeras atividades para os mais novos. Assim como no bar, tínhamos jogo de truco, cacheta e etc. Além de banco imobiliário, esconde-esconde, futebol, entre outros; E valia dinheiro também, começava sempre com 10 centavos e ia aumentando. Vi minha mãe expulsar bêbados golpistas à pontapés daquele bar. Sentia um enorme orgulho dela nesses dias. Descobri que ela podia passar de heroína a pilantra em questão de segundos. Aprendi que homens tem muita facilidade para trair suas esposas e mentir. Mas também aprendi que choram, alguns até amam, geralmente depois de umas e outras e, quando a vítima da traição são eles mesmos. Vi festas. Brigas. Aprendi a jogar sinuca. Descobri as vantagens de se ter um bar quando comecei a levar doces pra escola. Aprendi que cirrose mata. Que dependentes químicos tremem as mãos e precisam tomar uma pra firmar o pulso mesmo. Fiz amigos de verdade. Muitos bêbados fazem parte da minha vida e todos tem seu valor. Entretanto, fui crescendo e apesar de tudo, aprendi a detestar estar atrás de um balcão de bar.
As coisas mudaram. Não tem a mesma magia e a diversão de antes. Também pudera. Adultos vêem as coisas com outros olhos. O ritmo diminuiu. Não tem mais cacheta. Nem tanta gente. Tem dias que parece até um cemitério de tão vazio e outros, em que os piores tipos - não os bêbados amigos das crianças - surgem por lá. E, nesses dias, eu queria que minha mãe tivesse um trabalho normal.

Um comentário:

  1. Tem coisas que nos tornam o que somos. Suas lembranças são paradoxalmente tristes e alegres, mas são suas.
    beijos e bem-vinda ao mundo dos blogs.

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