Ultimamente andava assim: qualquer coisa, qualquer hora, qualquer palavra repuxava as membranas da garganta. Apertava. De repente, os olhos se enchiam de água e uma vontade de chorar molhava o rosto, a alma, a mesa, o travesseiro. Era um choro profundo, de respiração pesada, soluçado, fungado e cheio. Naquela manhã fria de junho, chegou no meio do trabalho, depois de ler o horóscopo que nem era o dela, que nem acredita. Pela primeira vez se questionou se conseguiria trabalhar. Pensou em desistir. Parar. E chorou mais ainda, porque não pode, porque no fundo não quer e abrir mão disso doeria muito mais. Mas continuar como estava também não dava. Não tinha uma causa, não havia nada a ser resolvido. Ainda que tivesse.
Talvez fosse uma falta de perspectiva constante que a abatia. Ela tem lutado com isso insistentemente. Quer ser útil, quer e pode fazer mais, mas não consegue. Não sai do lugar e nem tem pra onde ir. Aí fica, vazia, sem graça, repetindo todo dia a mesma coisa. Detestava o "não há nada a ser feito", ficar parada a consumia e ainda assim não conseguia se mover mais.
Talvez fosse cansaço. Mas do que, exatamente? Os filhos se viravam bem, a casa estava relativamente em ordem, as tardes eram livres pro outro trabalho e ainda assim ela ficava boa parte do tempo inerte no sofá, sem reação. Sozinha. Só se mexia quando todos chegavam, pra ninguém perceber.
Dessa vez não dava nem pra dizer: isso é falta de Deus! Já que a oração e a frequência no culto estavam em dia. Aliás, ela acreditava que Deus sabia da sua condição, tinha chorado contando pra ele no carro indo pra casa, um dia antes. Mas ela também sabia que mesmo que Deus seja grandioso, Ele quer que a gente faça alguma coisa pra em seguida nos abençoar. "Deus, dessa vez especialmente, eu não sei o que fazer e não estou conseguindo me levantar sozinha. Me ajude."
Assustada, fazia terapia mental e constatava que era uma péssima psicóloga. Será que era falta de vitamina? Ou a temida depressão? Mas depressão... Como?! Se ela continuava com suas atividades normalmente... levantava, passava café, cuidava da casa e das crianças, ia pro trabalho, fazia o que tinha que ser feito, só não via sentido em nada. Não acreditava em nada, nem no reconhecimento, nem no elogio mais sincero do filho: você é a melhor mãe do mundo. Ela sorria e agradecia, mas por dentro respondia: não sou, não sou. Nada do que fazia parecia suficiente. Não era.
Talvez fosse uma criança birrenta carente. Às vezes parecia um ciúme de um amor que sabe que tem, mas simplesmente não sente. Se procurar externamente, sobram bençãos e amor pra contar. Aí não diz nada pra não soar ingratidão. Se reclamasse os filhos e o marido a cobririam de afeto. Acostumada com a família sarcástica (ela mesma era) se falasse, imediatamente tirariam onda, mas a abraçariam acolhedores. Ela sabe que é amada. Mas talvez não esteja se amando o suficiente pra sentir isso. E não é como se não quisesse, só não conseguia.
Tudo que fazia era pouco, feio, sem graça. Se sentia pequena, péssima. Parecia inútil, fraca. Qualquer um se destaca mais que ela, merece mais que ela, mesmo com certo esforço, ainda não era suficiente, os outros sempre estavam um passo a frente, melhores. Ela via isso e pensava: de que adianta?! Se julgava, se cobrava e desistia. Ela que nunca foi de desistir. Nem as mensagens motivacionais, nem o livro do Cortella, nem a conversa consigo mesma ou as palavras que dizia pra animar os outros a comoviam. Vazio. Era tudo que havia. Qualquer coisa que surgia era motivo pra desconfiar: isso é falso, mais um curso certeza, eu já sei, sei o que tem que ser feito, só não consigo.
Era um nó na garganta solitário. Afinal, afastou todos. De repente parecia que se perguntasse não tinha nenhum amigo pra falar algo bom, ainda que tivesse. Ninguém a amaria de verdade, ainda que amem, pelo que ela é de fato ou como se via naquele momento. Ah mas Deus nos ama! Será? Rebatia internamente que desconfiava até Dele: eu brigo, sou uma péssima cristã e filha, não consigo nem abrir mão das minhas convicções pra seguir o que Ele espera de mim. Porque Ele me amaria ainda? No trabalho não se sentia importante ou útil, qualquer um faria o que ela faz, ninguém ouvia suas ideias e não havia o que ser feito, até o jeito de querer participar às vezes mais incomodava que ajudava, causava ansiedade nos colegas. Em casa, não cozinhava tão bem, não era tão boa como dona de casa, nem tão boa mãe assim diante de tantas brigas. Na família, a mãe reclamava da ausência da filha, ela se sentia longe também. Com os demais, era sempre aquilo: não era a primeira pra ninguém. Nem pro marido, sentia que pra ele provavelmente a secretária era mais útil, mais bonita e mais admirável, até mais inteligente e com uma fé mais consistente (ainda que não fosse mas era isso que pensava). No segundo trabalho, ela sabia que era boa, mas tinha tanta gente melhor e as respostas ficaram tão sem graça com o tempo, era sempre mais do mesmo.
O nó aperta. Prende. Esmaga. Precisa soltar pra poder respirar.
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