segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Das faltas

Elas nos fazem mais humanos. Até mais nobres. Tudo aquilo que nos falta, de alguma forma, em algum momento, causa em nós exatamente isso: humanidade. Você, do alto de sua hostilidade, orgulho e arrogância, terá de admitir que detesta essa solidão forçada e que o outro, independente de qualquer coisa, faz uma falta imensa. Faz tanto que a coragem de subir e dormir na própria cama, simplesmente não vem. Vaga as madrugadas pela casa silenciosa, dorme no sofá em meio a um filme e outro e se culpa por estar vazia, perdida e só. Mesmo as fugas cotidianas, mergulhada numa realidade inventada, visitas familiares e amigos não despertam prazer algum. Quão insossa uma vida pode ser?! 
O caderno de anotações segue por toda a semana em cima da mesa esperando que ela escreva seus planos e sonhos - pelo menos escreva-os! Assim como a louça suja de ontem, a roupa pra passar, o tapete pra lavar, o maldito regime pra começar. Tudo estático. Segue esperando as cenas dos próximos capítulos. Por Deus, o que virá? Há que se ter algo que contestar, alguém pra discutir, ao menos. Todas as brigas devido a possibilidade da mudança iminente foram desnecessárias. Nada mudaria afinal. Ainda assim, as certezas estavam distantes. Não havia nada definido e essa indefinição era fatal. 
Porém, não era apenas isso, existiam outras centenas de faltas menores e não preenchidas que vieram à tona em meio a todo aquele limbo. Hoje de manhã foi a falta de Deus. Na hora que o padre cantou as bem aventuranças no momento da partilha do pão, pedindo misericórdia, o vazio transbordou por seus olhos que minutos antes estavam cheios de brilho por rever a estrada pra casa, exatamente do jeito que ela adorava, com o tempo fresco e o céu cinza em contraste com o verde das árvores, que traziam aquele cheiro de terra molhada que só o Paraná proporcionava. Todas as tragédias do último ano passaram em sua mente. Todos aqueles malditos dramas familiares estiveram presentes nas conversar tarde à dentro. A falta da mãe na infância, a falta do pai em seguida, a falta de continuidade nos estudos, nos planos, nos sonhos. Estava envergonhada. Triste. Mas não fez nada pra mudar essa realidade. Deixou pra amanhã, de novo. E agora, hoje já se tornou outro vazio, outra falta. Boa noite.

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