sábado, 20 de setembro de 2025

Setembro

 Todo setembro é a mesma coisa... Mesmo que nada seja dito, mesmo que as fotos e lembranças não sejam reviradas/revisitadas, mesmo que esteja tudo bem, vai ficar mal! Repare bem, não é só drama, sem querer a tristeza chega e fica, toma conta. Parece TPM, parece crise de idade, parece a rotina exaustiva te engolindo, parece um problema no trabalho, mas no fundo, no fundo mesmo, é só saudade. É aquela dor cristalizada. Tá em você mais do que gostaria. Uma melancolia que chega com os ipês amarelos que derrubam as flores no chão, de repente ficam sem cor, sem vida. 

    Parece que foi ontem, cada vez parece mais que foi tudo muito rápido. Quando você vê o Green Day vem pro Brasil, a música que tocava no rádio na volta de Carambeí há 5 anos, toca a sua alma e toda esse desânimo repentino faz sentido. Era aquele apelo que dizia: espero que tenha tido o tempo da sua vida. Eu sei que ele teve, mas eu queria que tivesse tido mais. It's something unpredictable... 

    Repasso cada detalhe daqueles dias, não como se procurasse a dor, mas como se fosse possível encontrar uma resposta. A gente tinha tanta esperança. Mesmo com o pior diagnóstico do pulmão. Foram 4 dias de UTI, 5 entubados. Foram os piores dias das nossas vidas. Eu briguei com Deus, lembro bem de ter ficado com ódio e dia 28 ter implorado chorando no carro, quando dirigia pra rezar o terço com meus irmãos. Lembro de terem ligado. Lembro do Ali me dizendo que eu estava branca. Lembro de ter chegado lá e dizer pra minha irmã que podia não ser isso... Mas era. O pai tinha morrido, sozinho no hospital. Sonhei que ele estava vivo esse tempo atrás. Já que ninguém viu o corpo e nem pudemos nos aproximar do caixão. Ele tinha voltado, primeiro eu fiquei feliz, depois eu fiquei com raiva. Como ele pode ter feito aquilo com a gente! Mas a minha mãe sempre diz: teu pai amava muito as coisas dele, a casa dele, a vida dele, ele não iria embora assim... Ele amava a Deus também, acho que por isso deve ter ido com Ele... 
    Setembro é sempre ruim... Sinto sua falta seu Gonzaga. Sinto sua falta em setembro, no seu aniversário, no dia dos pais, no meu aniversário. Nos dias que vou na sorveteria, nos dias que passamos na frente do cemitério, nos dias que alguém lembra alguma história, quando o Renato vence, quando as crianças conquistam algo, quando eu me sinto sozinha, quando não tem ninguém por mim, quando tenho medo, quando quero desistir de alguma coisa, quando quero ser forte, quando falo que sou sua filha com orgulho, quando rezo, quando choro e quando rio. Sinto sua falta quando ligo pra Scheila e quando ela me apoia. Sinto quando vejo o Luigi meio largado, quando acho que as coisas não estão como o senhor gostaria. Senti quando vi a Larissa com o filho, disse que o senhor iria amar ser avô do menino dela. Sinto quando vejo que a mãe tá triste. Senti olhando pro ventilador da academia essa semana... Mesmo construindo um legado, tem gente que morre e é esquecida, mas pra mim e pros meus irmãos, pra mãe também, tudo que o senhor era nunca deixa de ter valor. Setembro é um mês muito ruim.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Nó na garganta

 Ultimamente andava assim: qualquer coisa, qualquer hora, qualquer palavra repuxava as membranas da garganta. Apertava. De repente, os olhos se enchiam de água e uma vontade de chorar molhava o rosto, a alma, a mesa, o travesseiro. Era um choro profundo, de respiração pesada, soluçado, fungado e cheio. Naquela manhã fria de junho, chegou no meio do trabalho, depois de ler o horóscopo que nem era o dela, que nem acredita. Pela primeira vez se questionou se conseguiria trabalhar. Pensou em desistir. Parar. E chorou mais ainda, porque não pode, porque no fundo não quer e abrir mão disso doeria muito mais. Mas continuar como estava também não dava. Não tinha uma causa, não havia nada a ser resolvido. Ainda que tivesse. 

Talvez fosse uma falta de perspectiva constante que a abatia. Ela tem lutado com isso insistentemente. Quer ser útil, quer e pode fazer mais, mas não consegue. Não sai do lugar e nem tem pra onde ir. Aí fica, vazia, sem graça, repetindo todo dia a mesma coisa. Detestava o "não há nada a ser feito", ficar parada a consumia e ainda assim não conseguia se mover mais. 

 Talvez fosse cansaço. Mas do que, exatamente? Os filhos se viravam bem, a casa estava relativamente em ordem, as tardes eram livres pro outro trabalho e ainda assim ela ficava boa parte do tempo inerte no sofá, sem reação. Sozinha. Só se mexia quando todos chegavam, pra ninguém perceber.

 Dessa vez não dava nem pra dizer: isso é falta de Deus! Já que a oração e a frequência no culto estavam em dia. Aliás, ela acreditava que Deus sabia da sua condição, tinha chorado contando pra ele no carro indo pra casa, um dia antes. Mas ela também sabia que mesmo que Deus seja grandioso, Ele quer que a gente faça alguma coisa pra em seguida nos abençoar. "Deus, dessa vez especialmente, eu não sei o que fazer e não estou conseguindo me levantar sozinha. Me ajude."

Assustada, fazia terapia mental e constatava que era uma péssima psicóloga. Será que era falta de vitamina? Ou a temida depressão? Mas depressão... Como?! Se ela continuava com suas atividades normalmente... levantava, passava café, cuidava da casa e das crianças, ia pro trabalho, fazia o que tinha que ser feito, só não via sentido em nada. Não acreditava em nada, nem no reconhecimento, nem no elogio mais sincero do filho: você é a melhor mãe do mundo. Ela sorria e agradecia, mas por dentro respondia: não sou, não sou. Nada do que fazia parecia suficiente. Não era. 

Talvez fosse uma criança birrenta carente. Às vezes parecia um ciúme de um amor que sabe que tem, mas simplesmente não sente. Se procurar externamente, sobram bençãos e amor pra contar. Aí não diz nada pra não soar ingratidão. Se reclamasse os filhos e o marido a cobririam de afeto. Acostumada com a família sarcástica (ela mesma era) se falasse, imediatamente tirariam onda, mas a abraçariam acolhedores. Ela sabe que é amada. Mas talvez não esteja se amando o suficiente pra sentir isso. E não é como se não quisesse, só não conseguia. 

Tudo que fazia era pouco, feio, sem graça. Se sentia pequena, péssima. Parecia inútil, fraca. Qualquer um se destaca mais que ela, merece mais que ela, mesmo com certo esforço, ainda não era suficiente, os outros sempre estavam um passo a frente, melhores. Ela via isso e pensava: de que adianta?! Se julgava, se cobrava e desistia. Ela que nunca foi de desistir. Nem as mensagens motivacionais, nem o livro do Cortella, nem a conversa consigo mesma ou as palavras que dizia pra animar os outros a comoviam. Vazio. Era tudo que havia. Qualquer coisa que surgia era motivo pra desconfiar: isso é falso, mais um curso certeza, eu já sei, sei o que tem que ser feito, só não consigo.

Era um nó na garganta solitário. Afinal, afastou todos. De repente parecia que se perguntasse não tinha nenhum amigo pra falar algo bom, ainda que tivesse. Ninguém a amaria de verdade, ainda que amem, pelo que ela é de fato ou como se via naquele momento. Ah mas Deus nos ama! Será? Rebatia internamente que desconfiava até Dele: eu brigo, sou uma péssima cristã e filha, não consigo nem abrir mão das minhas convicções pra seguir o que Ele espera de mim. Porque Ele me amaria ainda? No trabalho não se sentia importante ou útil, qualquer um faria o que ela faz, ninguém ouvia suas ideias e não havia o que ser feito, até o jeito de querer participar às vezes mais incomodava que ajudava, causava ansiedade nos colegas. Em casa, não cozinhava tão bem, não era tão boa como dona de casa, nem tão boa mãe assim diante de tantas brigas. Na família, a mãe reclamava da ausência da filha, ela se sentia longe também. Com os demais, era sempre aquilo: não era a primeira pra ninguém. Nem pro marido, sentia que pra ele provavelmente a secretária era mais útil, mais bonita e mais admirável, até mais inteligente e com uma fé mais consistente (ainda que não fosse mas era isso que pensava). No segundo trabalho, ela sabia que era boa, mas tinha tanta gente melhor e as respostas ficaram tão sem graça com o tempo, era sempre mais do mesmo. 

O nó aperta. Prende. Esmaga. Precisa soltar pra poder respirar.